segunda-feira, 27 de julho de 2015

Quando a foca cobriu um velório para si

Hoje vivi um dos dias mais difíceis na carreira jornalística. Sem querer, por conta de confusões com a ordem das pautas, acabei parando em um velório de um jovem de 15 anos. Ele morreu atropelado na principal avenida de Florianópolis na madrugada de domingo. Precisei acompanhar a repórter de Geral e o fotógrafo porque não iria dar tempo de chegar até a minha pauta de cultura sem eles.

Vi ali a chance de acompanhar algo que sempre apurei por telefone ou internet, e que sei que em breve vou precisar fazer e tinha muito receio. Uma vergonha, um sentimento de compaixão que talvez fosse capaz de enraizar meus pés e não me deixasse cumprir meu trabalho caso um dia chegue a minha vez de cobrir esse tipo de acontecimento. Tá certo que na minha área atual, é bem capaz de eu só cobrir quando algum cantor, ator ou produtor cultural morrer, mas da mesma forma, um dia isso acontece para todos.

Pela primeira vez, na centena de velórios que já presenciei na vida, entrei na jogada como expectadora, como observadora, como alguém que precisava especular a dor que não é só da alma. A dor é física. A dor que dá som ao vazio da perda.

Como fui apenas acompanhar, sem o intuito de escrever, observei os passos da repórter, e fiquei quase como uma estagiária, ou a foca mesmo que sou, só na espreita do que estava acontecendo. A mãe chorava desesperadamente, e dizia que o mundo dela estava chegando ao fim. Ela pedia pelo "marrentinho" dela de volta, e ao mesmo tempo cumpria o papel de avó e consolava a neta de apenas quatro anos que não entendia para onde tio estava indo. "Ele virou uma estrelinha, ele está no céu." "Eu não quero ele no céu, eu quero ele aqui, vó. Traz ele aqui", dizia a menina. Minutos depois, a avó desistiu de explicar o rumo da vida, e optou por calar a dor da neta e até a dela, por que não, dizendo que ele ainda estava no hospital.

A irmã não se conformava em não ter dado a surra que o jovem de apenas 15 anos merecia. Ela tentava se firmar em algo que não aconteceu para tentar mudar um passado que não tem volta. O único passado que não tem volta. Ela diz que a surra o faria ficar em casa; não o levaria a boate para maiores de 16 anos em que menores entram com carteira falsificada; não o levaria a um local para maiores de 16 anos que a venda de bebida alcoólica é feita deliberadamente.

A namorada, quase um pivô de tudo que aconteceu, porque segundo as testemunhas eles haviam brigado antes de ele sair sem rumo pela avenida, não largava a toalha branca. A toalha branca cheio de choro de saudade, cheia de choro de arrependimento e cheia de choro de um choque que vai custar a curar.

Os amigos, que passavam de cem, eram tão novos quanto ele, e tão inconformados quanto a netinha de quatro anos. Todos se abraçavam buscando uma fortaleza, lembrando de momentos com o amigo e tentando entender o que aconteceu no momento do atropelamento. Uns dizem que houve um racha, outros que ele estava sem um norte, andando como um louco que busca gastar a raiva esbravejando mais raiva ainda.

Eu também já perdi um amigo jovem. Também foi no trânsito, e também tinha álcool envolvido. A dor custa a passar, e arrisco dizer até que ela nunca passa. Ela só diminui e muda o nome para saudade. Um saudade dolorida por uma vida que se encerra da maneira que a gente menos se conforma, porque é difícil encontrar um culpado, e mais difícil ainda é fazer o culpado virar réu.

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